Apresentação
Prezados amigos,
mais um ano se encerra e, como sempre neste período, muitas pessoas fazem votos de dias melhores, pois têm a esperança de que tudo possa ser diferente no vindouro. O cenário que se vislumbra, porém, não é assim tão auspicioso, pelo contrário. Isso se reflete não só no aprofundamento das desigualdades sociais, de maneira especial após o golpe de 2016, como também no campo do ensino e da pesquisa, no qual muitos de nós estamos inseridos.
Se havia, há bem pouco tempo, uma ascensão geral nos resultados acadêmicos, com a elevação do número de mestres e doutores – bem como o de seus resultados como pesquisadores –; hoje, já se percebe um constante decréscimo, tanto em número quanto em qualidade. Para piorar, tanto as cobranças do MEC (vai perdurar ao caos que se instalará?), quanto as das agências de fomento, tendem a se tornar de tal maneira esdrúxulas, a ponto de levar a pesquisa nacional, em breve, ao total colapso.
Isso sem contar com algumas instituições particulares que, preocupadas apenas em minimizar os custos do stricto sensu, permitem com que pessoas (mesmo sem ter sido aprovadas nos processos seletivos), sem quaisquer possibilidades de frequentar tais programas ou com um mínimo de pré-requisito, sentem-se à bancada da pesquisa, apesar de saber que muitas sequer saibam ler uma bula de remédio e possam, efetivamente, compreendê-la.
Que dizer então de alguns pesquisadores, se se pode tratá-los dessa maneira, que em lugar de produzirem novos conhecimentos e tecerem novas redes epistemológicas, como seria de se esperar de alguém inserido no meio acadêmico, simplesmente reciclam, de maneira contínua, textos vetustos publicados e republicados há anos? Não têm a mínima vergonha de inflar seus currículos com um mesmo texto em diversos canais; retirando, infelizmente, daqueles que fazem um trabalho sério, mas não tem nome, a oportunidade de publicação. Tais profissionais parecem-se àquelas antigas professoras do primário que mantinham as mesmas fichas de aulas – gastas e amareladas – de quando se formaram, pois acreditavam na vida pétrea do saber...
Ledo engano!
Resta-nos, portanto, esperar...
Que também nós tenhamos esperança diante da hecatombe cultural que se avizinha e cujo preâmbulo já se mostrou funesto demais, caso contrário teremos de reaprender a Teoria Criacionista para reintroduzi-la nas escolas no lugar de Darwin; ou então, criar autores e personagens fictícias para que se possam inseri-los em novos-velhos artigos para dar um volume fictícios a seu Lattes.
Dessa maneira, evitaremos aquilo que foi abordado pela pesquisadora Thallita Fernandes, quando trata das narrativas escritas por meio da dor e do trauma. Isso porque essas podem acessar nossas memórias subterrâneas, as quais criam espaços de contradição em relação àquelas autenticadas pela história oficial. Tais processos evocam testemunhos sobre situações nas quais a experiência individual importa tanto quanto aquela criada por meio das perspectivas hegemônicas e homogeneizantes. Maus, a graphic novel produzida por Art Spiegelman, abordada pela pesquisadora, insere-se neste universo e questiona o passado, a alteridade, os desdobramentos da rememoração e da necessidade de interrogar tempos de crise, a fim de se buscarem alternativas em prol dos corpos que, mesmo invisíveis, ainda resistem às violências físicas e epistêmicas.
Valdemar Valente Junior, por sua vez, busca estabelecer uma relação entre a música popular e a indústria cultural como uma referência de construção da modernidade, a partir de elementos contidos nas obras dos compositores Noel Rosa, Wilson Batista e Geraldo Pereira. Partindo da fixação do rádio como efetivo veículo de massa, sua análise segue até o momento exato em que a televisão passa a exigir dos compositores uma outra concepção de sua obra, afastando-os da condição de cronistas do cotidiano.
Ainda em um contexto musical, apesar de sua abordagem linguística, Júlio da Silva Neto busca analisar duas canções brasileiras: Aquela dos 30, interpretada por Sandy Leah, e Envelhecer, interpretada por Arnaldo Antunes, cujas temáticas giram em torno do envelhecimento. Percebe-se como os observadores instaurados no discurso veem a passagem do tempo e lidam com essa situação: se um é visto de forma desidentificada, pois não consegue se ver nem como jovem, nem como velho; o outra, o tempo faz um caminho inverso, no qual o enunciador quer viver e aproveitar cada momento.
Quanto à questão imagética, temos Christiane Meier que aborda a diferença arte sacra e arte religiosa. Aquela é vista como auxiliar na liturgia de qualquer religião, não se notando, de maneira clara, a vontade, os sentimentos do artista ou os traços da sociedade e da época em que se insere; esta, por sua vez, reflete a psiquê do artista, suas preferências, sua época e sua sociedade. Assim, a pesquisadora apresenta-nos, em sua análise, obras de Fra Angelico, Antonello da Messina e de Cláudio Pastro.
Já os pesquisadores Jorge Miklos e Tatiana Penna mostram-nos como a contenda em torno das imagens religiosas é recorrente na história das religiões monoteístas, bem como no cristianismo. Isso fica claro não só no movimento iconoclasta bizantino, como também na Reforma protestante do século XVI. Algo recorrente, tais movimentos também estão presentes na cena contemporânea com o neopentecostalismo, cuja difusão tecnológica, por meio do meios de comunicação de massa, molda, a sua maneira, a sociedade do espetáculo, mesmo que para isso tenha de empregar também as imagens.
A pesquisadora Ângela Catonio aborda os projetos cartoneros elaborados por editoras ou cooperativas que produzem obras literárias, em edição limitada e de aspecto artesanal, com materiais provindos do lixo. Tais obras revestem-se de aspecto marginal e trazem forte carga simbólica, ao vincular a cultura do lixo com a cultura letrada. Além disso, a pesquisadora procura desvendar algumas características da linguagem empregada nessas obras fronteiriças, pois além de empregarem o portunhol, permitem à obra um aspecto diferenciado e inusitado, rompendo os padrões convencionais de veiculação editorial tradicional da contemporaneidade.
Josilene Pinheiro-Mariz e Manuella Bitencourt abordam a literatura juvenil da região conhecida como Machrek, circunscrita ao norte do continente africano. Dessa maneria, apresentam tais obras literárias ao público brasileiro, de modo especial àquele circuscrito ao ensino do francês como língua estrangeira (FLE); favorecendo, assim, o intercâmbio entre jovens leitores.
Por fim, temos a entrevista, concedida à jornalista Mariana Mascarenhas, do artista plástico Ricardo Negro, morador de um bairro periférico da Zona Sul de São Paulo, que se tornou conhecido nacional e internacionalmente, graças a um olhar diferenciado para a vida das comunidades do Brasil. Após percorrer comunidades paulistanas e de outras regiões brasileiras, ele passou a dedicar-se, exclusivamente, a pinturas que retratassem o cotidiano desses lugares.
Bom, encerro por aqui, desejando a todos um 2019 repleto de alegria e felicidade! Tenham uma boa leitura!
Saudações acadêmicas!
Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão
Editor