Foto: Agência Brasil/Tânia Rêgo

Apresentação

 

De incêndio a incêndio: quando a imagem da desventura transforma (ou não) a sociedade

 

A história, como sempre, mostra-nos acontecimentos que deveriam servir de alerta para que as gerações seguintes não caíssem nos mesmos erros que seus pais, no entanto não é isso o que observamos. Percebemos, pelo contrário, certo torpor e aceitação, semelhante aos moldes gregos, para os quais havia um padrão cíclico da história, quando que se percebia, continuamente,  a alternância entre momentos de paz e de caos, como se tudo já estivesse previsto num destino cósmico, portanto nada ou ninguém poderia alterá-lo.

Em 27 de fevereiro de 1933, um mês após Adolf Hitler chegar à Chancelaria alemã, por meio do voto, um acontecimento fez com que caminhasse em direção ao poder total: o incêndio do Reichstag, em Berlim. Creditado ao jovem comunista Marinus van der Lubbe, o fato torna-se o estopim para a implacável perseguição a todos aqueles que eram contrários aos planos ditatoriais do Führer que, aproveitando-se da ocasião, fez com que o debilitado Hindenburg assinasse a Ermächtigungsgesetz, Lei de Plenos Poderes, com a qual todos aqueles que lhe eram contrários seriam, pouco a pouco, rejeitados e descartados  da sociedade sob os auspícios da lei!

Verdades passam a ser construídas ao sabor do momento; crimes são imputados aos inimigos para dar um ar legalista a ações nefandas; perseguições a opositores tornam-se frequentes; as cadeias tornam-se repletas de comunistas, mesmo que estes não tivessem sequer a ideia de quem tenha sido Marx, Lênin ou Trotsky; direitos políticos são cassados... Tudo na observância restrita da lei! Até o momento em que tal emprego não se faz mais necessário, nem mesmo a encenação que estava por traz dele: passa-se, simplesmente, à rejeição sumária, à deportação e às execuções em massa: a lei é a de um homem só, apesar de ter atrás de si o mercado, os grandes conglomerados industriais, os homens de bem...

 Reformula-se, por fim, o Contrato Social: o terror basta para manter a paz social!

Percebe-se, portanto, que qualquer imagem serve para se construirem verdades por aqueles que têm consciência de seu poder; assim, um fato banal pode ter consequências catastróficas para uma região, um povo, uma nação, ou mesmo o mundo inteiro: eis que, doze anos após a Ermächtigungsgesetz, tivemos como consequência a cifra de sessenta milhões de mortos em todos os continentes!

Mas, o tempo não para! Passamos, mais uma vez, por um momento singular em que é possível perceber que o ovo da serpente, que jazia escondido sob diversos velames, está a ponto de quebrar, despejando sobre o mundo e, de modo especial, sobre o Brasil sua cria. Tal fera traz, como sempre, uma de suas grandes perversidades: negar ou apagar a história!

Como na Alemanha da decadente República de Weimar, na década de trinta do século XX, e a consequente ascensão do nazismo, em que autos de fé eram executados para apagar a memória social rejeitada e, de modo especial, a de seus desafetos, vemos que parte da população do Brasil caminha numa senda semelhante e em direção à letargia e ao torpor, causados pelas águas do Letes nas quais se banham, diariamente, nas ondas imagéticas da televisão e da web.

 Discursos completamente sem sentido, para não dizer insanos, fluem de suas bocas e dedos ao teclar como jorros de insensatez e desvario. Pior: o simulacro tornou-se o real a ponto de não poderem mais distinguir um do outro!

Apagar o passado, de modo especial, aquele que poderia não nos orgulhar, é expediente comum na vida das pessoas e das nações, mas apagar seu passado de glória, é algo inaudito! Mas foi, exatamente, isso que aconteceu com o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 2 de setembro de 2018: apagou-se um passado em que o Brasil não era um mero serviçal, mas um protagonista!

Um acervo de valor incalculável, num espaço que já havia sido totalmente descaracterizado com o advento da República, mas que ainda representava um símbolo de grandeza de um país gigante como o Brasil, transformou-se cinza, demonstrando o total descaso não só com o Patrimônio Público, mas também com a história da humanidade e com a nossa própria história!

Anos de pesquisa, anos de história, anos de sofrimento e lágrimas reduzidos a pó, devido à (in)competência de um governo ilegítimo que, como o de Hitler procurou refazer a história seguindo interesses que não são os de sua população. Parte desta, transformada em fantoche, ficou à mercê de grupos que propagaram o paraíso, mas recebeu em troca o inferno. Quantos não acreditaram em verdades construídas pela mídia e saíram à rua para protestar contra as benesses espalhadas a uma maioria que não passava de minoria nos estratos sociais? A troco de quê?

Não, não há um destino cósmico a que nos devemos submeter, há falta de pensamento, de reflexão e de ponderação frente àquilo que recebemos, todos os dias, por meio das diversas mídias! Mas, para isso, a memória e nossa história não podem ser jogadas no lixo, mas vistas criticamente. Não se pode, portanto, expurgar o que não nos interessa, pois aquilo de que não nos servimos hoje, pode ser de grande serventia para as gerações que virão! Não nos cabe decidir por eles.

Assim, ao iniciarmos mais este número de Lumen et Virtus não poderíamos deixar de postar nosso lamento e incômodo frente ao descaso com nossa história e cultura, cujo reflexo foi o incêndio que devastou o Museu Nacional.

 

A partir desta edição temos uma novidade: um espaço reservado a discussões com os produtores de imagens, os artistas! Já começamos em alto estilo: Jack Brandão e Mariana Mascarenhas entrevistaram o artista plástico Geraldo Lacerdine, reconhecido tanto no Brasil, expôs seus trabalhos em diversas cidades do país, como no exterior, onde já expôs  na Itália, na Polônia e nos Estados Unidos. O artista mineiro, radicado em São Paulo, já foi sacerdote católico e diretor do tradicional Colégio São Luiz, na capital paulista, aborda diversos temas, além de falar sobre seu processo de criação e a importância de se romperem paradigmas por meio da arte.

Sempre com artigos de grande qualidade e diante do revival fascista, começamos com o texto dos pesquisadores Jack Brandão e Marcos Sergl que abordarão como Richard Wagner fundamentou, musicalmente, os ideais de identidade germânica bem como a questão do antissemitismo, e como, anos mais tarde, Hitler bebeu e aproveitou-se da imagem e do legado do compositor para corroborar suas afirmações e pôr em prática seu plano de extermínio.

Em uma linha não muito distante e diante do reflorescimento da misoginia, verificada em discursos de um candidato à Presidência da República, apresentamos as pesquisadoras Cibele Freitas, Josiane de Morais e Geiziane de Morais que buscam compreender, por meio da análise da personagem Dora, de Capitães da Areia, a história da mulher e a luta por sua emancipação na sociedade brasileira. Já as pesquisadoras Dina Ferreira e Sara Garcia discorrem sobre as assimetrias de gênero no que tange a conjuntura social, política e cultural da figura feminina. Isso porque, pela configuração histórica, as mulheres ocupam e permanecem ainda, em posições subalternas na coletividade e, consequentemente, sem protagonismo na esfera sociopolítica. Adotando um viés crítico, as pesquisadoras discutem fatores que levam as mulheres a serem construídas como sujeitos sociais subalternos e levantam questionamentos sobre o porquê de sua sub-representação, que contribui para a desigualdade entre gêneros. Por sua vez, os pesquisadores Gerson da Silva, Daniel Dias e Juliana Fernandes, apresentam os resultados de um estudo, realizado a partir de uma revisão bibliográfica, sobre os aspectos psicológicos mais proeminentes em mulheres dependentes de relacionamentos afetivos ou mulheres com Amor Patológico. Tal estudo buscou avaliar de que forma esses aspectos psicológicos se manifestam e podem ser reconhecidos por meio de seu comportamento.

No campo do ensino de línguas extrangeiras, temos Daniela Nóbrega e Celso Júnior que, ancorados na Pedagogia dos Multiletramentos, descrevem e explicam a aplicabilidade de uma proposta de sequência didática, utilizando como gênero textual o poema de natureza híbrida e /ou multimodal The Sick Rose de William Blake. Carlos Plácido, por sua vez, apresenta o emprego de quadrinhos em inglês como ferramenta para ajudar os alunos a desenvolverem suas habilidades linguísticas, textuais e artísticas. Isso porque, seguindo o pesquisador, a escrita criativa quadrinista em inglês não vem sendo amplamente pesquisada no Brasil, nem recebe a devida atenção da academia.

No campo literário, mais especificamente o do teatro de costumes brasileiro, temos Geniane Ferreira que, com base nos estudos de Spivak, Bhabha, entre outros, observou a relação sujeito-objeto e a discriminação contra o negro apresentada na peça Os Dois, ou, o Inglês Maquinista, de Martins Pena. Num momento em que a abolição da escravatura já havia ocorrido, a sociedade permanecia eivada da cultura da escravidão, como demonstra o enredo desta comédia de costumes. O pesquisador Frederico Silva tem por objetivo analisar as configurações da violência contemporânea presentes na segunda parte do conto Ilhado, do escritor Rinaldo de Fernandes, a fim de demonstrar como a referida passagem apresenta códigos que metaforizam, claramente, a condição atual do processo civilizatório, marcado pela falência dos princípios instituidores da sociedade que tem, no desrespeito à alteridade, um de seus principais sintomas. Marcos Meigre, por sua vez, discute a representação do espiritismo em telenovelas brasileiras, tendo como mote a premissa de que a teledramaturgia nacional tem se fundamentado nessa base doutrinária para conformar narrativas televisuais. Isso porque, segundo o pesquisador, o imaginário televisual acerca do espiritismo condensa trejeitos arraigados na memória popular.

Marilúcia Striquer e Elias Gonsalves investigam como se configura o gênero textual anúncio publicitário. A justificativa se centra no fato de esse gênero fazer parte da vida das pessoas de forma bastante cotidiana, logo pode ser um adequado instrumento organizador do processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa. Já a pesquisadora Rossana Furtado, tendo como estímulo as reflexões de Foucault sobre a relação e não-relação entre imagem e texto, busca levantar neste alguns questionamentos das relações de intermidialidade da publicidade e artes visuais, sem a pretensão de achar suas fronteiras, mas mostrando que seus laços são tão antigos quanto a discussão sobre a possível aproximação desses campos, inclusive academicamente.

Por fim, Andréa Ribeiro, Adriana Teixeira e Júnia Braga abordam a respeito do curso de extensão oferecido pela UFMG a cidadãos mineiros, visando a capacitá-los para o uso de ferramentas da web 2.0., o você.com. Para isso, discutem as etapas do método de adoção da inovação, durante a instrumentalização de participantes do curso para o uso de ferramentas da web 2.0.

 

 

Realmente espero que tenhamos melhores notícias no campo da política em nosso próximo número, a fim de que nossas esperanças possam surgir  para nosso Brasil!

 

Desejo a todos uma boa leitura!

 

 

Saudações acadêmicas!

 

Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão

                                 Editor