Apresentação
Prezados amigos,
Estamos nos aproximando da segunda década do século XXI e, como é de se esperar, percebe-se que as pessoas fazem questão de não aprender com os erros do passado! Isso fica claro quando percebemos uma onda fascista que se espalha por todos os lados e que, é possível, trará graves e imprevisíveis dificuldades para o mundo, de modo especial para os mais vulneráveis.
Rastros dessa onda também aportaram ao Brasil, cujas ideias foram sendo destiladas pouco a pouco em meio a população – de modo especial pelas redes sociais e por parte da grande mídia – que, sem se aperceber, é acometida por rompantes de arrogância e de superioridade por parte de alguns membros da sociedade, como se isso fizesse parte de uma realidade natural. Tal segmento social passa, realmente, a acreditar em sua superioridade frente aos outros, levando não só a ocorrências de ódio, de racismo, de misoginia, como também induzindo a perseguições de gênero, de religião e de raça.
Não à toa, todos os nivelamentos sociais que se verificaram desde 2003, no Brasil, tornaram-se seus principais alvos. Mas, para que isso fosse factível, presenciamos o início de uma reestruturação social, em um sentido diametralmente oposto àquela que havia sido delineada desde a Era Lula, com a desconstrução imagética de tudo o que fora construído naquele período.
Infelizmente, reestruturar não significa, nesse novo contexto, reorganizar para o melhor, pelo menos não para a maioria da população que será a mais atingida por tais mudanças. Triste constatar que, sem ter percebido, ela mesma tomou parte disso, ao aceitar e votar em seus próprios algozes e a favor desse retrocesso. Este, portanto, não passa de um retorno à manutenção do status quo que prepondera na sociedade brasileira há mais de quinhentos anos.
Se ainda não sentimos hoje, de maneira plena, as consequências nefastas do golpe sofrido pela presidente Dilma Rousseff e do atentado que se fez à democracia brasileira desde então, todos vão sentir mais dia menos dia.
Assim, os pesquisadores Jack Brandão e Aryana Sousa abordarão, de certa maneira, a gestação do golpe em seu artigo, talvez ainda não visto como tal por seus mentores que, num primeiro momento, apenas visavam a impedir a reeleição de Dilma Rousseff em 2014; mas que, com o desenrolar dos acontecimentos, vislumbraram tal possibilidade ao perceberem o profundo desgaste na imagem da presidente reeleita. Para tratar da questão, os pesquisadores abordaram a construção e a desconstrução da imagem dos principais candidatos das eleições presidenciais brasileiras de 2014, a partir de diferentes mídias, como revistas semanais (Veja, Isto É, Época e Carta Capital), de materiais de campanha e de publicações de páginas em sites de relacionamentos. De posse desse material, analisaram como se deu a construção da representação imagética dos principais candidatos. Se, de um lado, verificou-se um grande esforço em construir, positivamente, Eduardo Campos, Marina Silva, Aécio Neves; por outro, deu-se a desconstrução brutal de Dilma Rousseff, buscando com isso refrear sua reeleição.
A pesquisadora, Annateresa Fabris, por sua vez, mostra-nos que, já nas décadas de 1930 e 1940, a questão da arte social estava no centro do debate cultural no Brasil. Di Cavalcanti e Portinari, membros do Partido Comunista, possuíam diferentes pontos de vista em relação a essa questão. Enquanto aquele utilizava de categorias marxistas, mesmo depois de ter saído do partido, este servia-se, sobretudo, de sua vivência pessoal; respondendo, dessa maneira, aos interesses do Partido, centrados na questão agrária.
No campo da arte literária, Renan Bolognin, demonstra que ao se relacionar a metáfora do fruto ao adjetivo estranho, pode-se discutir acerca de artes e de escritas literárias que não se furtam a vincular-se a outros campos do conhecimento humano. Desse modo, propõe discutir, em seu artigo, não só o vínculo estabelecido entre literatura e fotografia como uma intersecção de frutos estranhos, ou seja, não convencionais, mas também como alguns desses frutos amadureceram, rendendo frutos específicos dentro desta falta de especificidade.
José Riter, por sua vez, problematiza as fronteiras entre real e ficção, discutindo as interferências possíveis da biografia do autor ou de suas experiências como elementos estruturantes da ficção. Para tal, investiga a visão de escritores e de teóricos sobre o processo de escrita e a estreita relação entre vida e arte. Tal problematização dará, em um segundo momento, suporte para análise da obra Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, a fim de perceber a importância de elementos biográficos ou presentes no processo do surgimento da obra na criação literária do clássico, já que se sabe que a protagonista foi inspirada na jovem Alice Liddell, uma das tantas amigas do autor.
Fernando Villatore busca demonstrar que duas das perspectivas de leitura possíveis apresentadas no conto “A benfazeja”, de Guimarães Rosa – a da comunidade que condena a protagonista por sua aparência e conduta desviantes e a do narrador que a redime –, são variantes de uma mesma prática, constituídas por meio de uma operação narrativa que, alicerçada pela retórica oblíqua e persuasiva do narrador, manipula e suscetibiliza o interlocutor. Ao ser confrontado com suas próprias contradições, este é inserido em um processo de modernização de um Brasil onde arcaico e moderno não se substituem nem se anulam, mas, ao contrário, complementam-se e retroalimentam-se .
Já o professor Humberto de Oliveira discorre, a partir do filme Ladrão de sonhos, dos diretores franceses Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro, o lugar do saber em nossa cultura. Para essa reflexão, será tomada como base a filosofia de Friedrich Nietzsche que, rompendo com a tradição platônica do conhecimento, sugere e apresenta o que ele chamou de filosofia trágica e gaia ciência: uma forma de saber alegre que contrasta com o saber científico e tecnológico de nosso tempo e que pode nos oferecer um campo de discussão profícuo.
Ainda no campo do cinema, o pesquisador uruguaio Álvaro Mosca abordará a questão do fantasma como elemento comum no cinema desde suas origens até nossos dias, ao demonstrar que sua principal característica é a capacidade de ser visível para o mundo, a fim de alcançar sua existência. O cinema trabalhou essa ideia de maneiras diferentes e repetidas vezes, fazendo do fantasma um dos elementos mais repetidos na história do cinema mundial. Este trabalho analisa alguns filmes de ficção, de diferentes origens e épocas, como forma de detalhar seu complexo caráter ficcional.
No campo da psicologia social, os pesquisadores Gerson Silva e Vanessa Santos fazem uma análise crítica e reflexiva acerca de um trabalho socioeducativo realizado com duas famílias em situação de vulnerabilidade social, atendidas, por aproximadamente três anos, em uma ONG localizada na zona sul da cidade de São Paulo.
Por fim, na entrevista com o artista, Mariana Mascarenhas apresenta-nos o jovem artista catarinense que começou a utilizar o facebook e seu blog para postar seus trabalhos artísticos, Susano Correia, que se tornou um sucesso ao extrapolar o meio digital. O artista utiliza da arte para expressar aquilo que muitos procuram ocultar, especialmente na rede, como as inquietações, os medos, as angústias ou as tristezas. É impossível não se inquietar diante de suas gravuras e de suas pinturas, as quais fazem um verdadeiro convite a viajar para um lugar que, muitas vezes, se teme: seu próprio interior.
Espero, mais uma vez, que todos possam aproveitar este número e que divulguem nosso canal para seus alunos e pesquisadores.
Saudações acadêmicas!
Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão
Editor