Apresentação
Prezados amigos,
mais um ciclo se fecha, neste que será considerado o “ano que não existiu”, em decorrência da epidemia de corona vírus e do isolamento social a que tivemos de nos sujeitar para minimizar suas consequências nefastas. Ainda para piorar nosso pesadelo, vislumbramos alguns que buscaram, a todo momento, negar sua existência e letalidade, sem contar com uma grande onda negacionista que também proliferou, tão mortal como o vírus.
Que dizer da barbárie contra a educação e a cultura, contra a natureza e a vida humana a que assistimos, quase impassíveis, pois vinha daqueles que deveriam ser seus guardiões?
Segundo algumas pessoas, estamos vivendo um momento tenebroso como aquele que se viveu, segundo o lugar-comum no medievo. No entanto, como é possível comparar períodos tão distintos como os nossos? Que acesso a informações havia naquele período? Muito pouco e restrito a um número muito limitado de pessoas; mas, hoje, em pleno século XXI, com todas as informações e imagens dispostas a todos e maneira gratuita na internet?
Como é possível hoje ouvir pessoas que se dizem sérias falar em terra plana, se até à lua o homem já foi; se todos os dias ainda nos chegam imagens vindas do espaço por missões enviadas por agências espaciais há tanto tempo? De tão absurda tal afirmação, chegamos a tentar entender o porquê de sua propagação; e se, de fato, seus propagadores, realmente, acreditam nessas assertivas, ou tudo não passa de um blefe para angariar adeptos incautos!
Ainda pior que isso é ouvir, mais uma vez, vozes dissonantes contra uma epidemia que já ceifou milhões em todo o mundo, sem contar com a vida de mais de cento e oitenta mil brasileiros! Como é possível negar o inegável? Vivemos um tempo em que o erro é, de fato, o acerto, e isso abre precedentes muito perigosos! Como se isso ainda não bastasse, chega-se à infâmia de se negar, inclusive, a eficácia de vacinas, ainda mais em um momento pandêmico pelo qual estamos vivendo! Tal ato chega a ser criminoso...
Mais uma vez, esperamos que o Ano Novo seja auspicioso, apesar de não enxergarmos luz no fim do túnel! Resta-nos, portanto, manter nossa produção cultural cientes de que a tempestade e a destruição sempre serão frutos de um momento, já que a bonança sempre retorna.
Dessa maneira, temos neste número diversos textos que nos fazem tecer várias reflexões! Os pesquisadores Jack Brandão e Mariana Mascarenhas nos brindam com um ensaio em que abordam como as novas tecnologias inovaram o processo comunicacional, levando ao surgimento das primeiras teorias comunicacionais. Estas apresentavam, em seu início, um estudo limitado, principalmente quanto ao papel do receptor na comunicação, que chegou a ser considerado um elemento passivo, que reage de forma mecanicista ao que lhe é apresentado. Conforme novas teorias foram sendo formuladas, mudou-se tal percepção, aprimorando a visão de como se processam as relações comunicacionais. Mas, foi somente mais tarde, que se percebeu a comunicação como campo interdisciplinar, considerando as contribuições de outras áreas e como tal aspecto poderia dificultar a delimitação de seu objeto de estudo, enquanto disciplina autônoma.
Já Marcos do Carmo analisa como o Museu Paulista, na gestão de Affonso d'Escagnolle Taunay, teve um grande papel na construção de uma pretensa identidade paulista, procurando compreender as estratégias utilizadas por ele para traduzir suas convicções teóricas em uma linguagem visual convincente. Para tanto, o pesquisador buscou percorrer, previamente, a produção intelectual iniciada no final do século XIX, traçando uma importante trajetória para entendimento das bases que se edifica o projeto de Taunay de construção de uma identidade nacional através da arquitetura, escultura e pintura, criando uma representação imagética visual da “raça de gigantes”.
Os pesquisadores Renan Silva Duarte e Nara Rattes de Melo, por sua vez, abordam a questão do jornalismo literário, resultante da soma de certas características e conceitos do jornalismo convencional e do fazer literário, como um produto híbrido independente, que conta com suas próprias especificações e atributos inerentes ao gênero. Essa autonomia permitiu sua divisão em subgêneros, sua presença em movimentos (contra)culturais e até mesmo um espaço próprio de publicação. Desta forma, usando como objetos de análise textos e matérias das revistas brasileiras piauí e Realidade, a pesquisa pretende analisar os conceitos do jornalismo literário e as características que o aproximam do livro-reportagem para, então, compreender como este tipo de texto se insere e se adapta, até os dias atuais, em publicações periódicas.
No campo da relação intersemiótica, temos os pesquisadores Francisco Lima Baca e Claudio Cledson Novaes que abordarão a relação do filme de 1970, Iracema uma transa amazônica, com o romance Iracema, de José de Alencar no século XIX, ao problematizar um diálogo entre duas narrativas que derivam do documental ao ficcional. As personagens das duas obras se tornam metáforas que se constituem na representação poética do projeto literário nacionalista, no caso de Alencar, e de uma personagem vinculada com a realidade distópica do indígena brasileiro num “docudrama” do século XX.
Os pesquisadores José Hélder Pinheiro Alves e Albaneide Maria da Silva Félix mostram-nos como a poesia infantil está presente em praticamente todos os livros didáticos utilizados nos anos iniciais do ensino. Entretanto, sua abordagem nem sempre privilegia a dimensão lúdica e inventiva do poema. Nesse sentido, ambos buscam refletir sobre a importância e o lugar que a poesia infantil ocupa na formação continuada de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, especialmente no ciclo de alfabetização.
Ainda no campo poético, Gisele Giandoni Wolkoff eMarina Bertani Gazola analisam como uma determinada poetisa respondeu à pandemia em suas obras, por meio de uma exposição dialógica de temas que discutem individualidades frágeis na perspectiva de uma experiência de vida mundial completamente nova. Ao olharmos para os novos poemas de pandemia de Celia De Fréine, In Search of a Horizon, comparativamente a sua estética, ou seja, ao conjunto de suas obras até agora, refletimos sobre como tal produção nos ajuda a pensar sobre o papel de poetas que enfrentam experiências traumáticas, como a dapandemia de 2020.
Encerramos este número com a pesquisadora Wilma Steagall de Tommaso que abordará a figura de Maria Madalena, que serviu e seguiu Jesus de Nazaré. Sua participação nos Evangelhos deu margem a que ela se tornasse um personagem híbrido, composto de mais duas mulheres. Esses fatos e os textos apócrifos onde ela aparece como a portadora do conhecimento (gnose), a companheira de Jesus, e outros atributos que causavam ciúme nos outros apóstolos, foram importantes para desenvolver a base do gnosticismo. Esta seita se expandiu com muita intensidade e diversidade nos primeiros séculos do cristianismo. A Igreja combateu de forma rigorosa os gnósticos aos quais ela considerava como hereges. É no meio de um embate como esse, que teve seu fim no século IV, que Maria Madalena ainda hoje permite as mais diversas construções literárias.
Saudações acadêmicas!
Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão
Editor